Em depoimento à CPI da Covid, a servidora do Ministério da Saúde Mayra Pinheiro rebateu críticas de senadores a medicamentos como cloroquina e hidroxicloroquina e buscou absolver o governo federal em relação ao colapso da rede de saúde em Manaus, no começo do ano. Em determinado momento, porém, ela contradisse o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello ao afirmar que o ministério soube sobre a falta de oxigênio em Manaus em 8 de janeiro deste ano. Pazuello disse à CPI que foi alertado sobre a situação apenas na noite de 10 de janeiro.
"Estive em Manaus até o dia 5. Eu voltei. O ministro teve conhecimento do desabastecimento de oxigênio em Manaus creio que no dia 8, e ele me perguntou: 'Mayra, por que você não relatou nenhum problema de escassez de oxigênio?'. Porque não me foi informado", disse Mayra Pinheiro. "Confirmei a informação com o secretário estadual de Saúde, perguntando: 'Secretário, por que, durante o período da minha prospecção, não me foi informado?' Ele disse: 'Porque nem nós sabíamos'. Inclusive ofereci voluntariamente meu telefone à Polícia Federal, foi feita a degravação da conversa com o secretário, o que prova essa informação", completou.
A audiência começou por volta das 9h e deve perduraraté que todos os parlamentares inscritos tenham a oportunidade de fazer perguntas à secretária de Gestão do Trabalho e da Educação do Ministério da Saúde. Mayra também é conhecida como "capitã cloroquina" devido à defesa enfática que faz do remédio, ainda sem comprovação científica de eficácia contra a covid-19.
'Capitã cloroquina' segue em defesa enfática do medicamento
De acordo com Mayra, diferentemente do que preconiza posicionamento da OMS (Organização Mundial da Saúde), de autoridades e de especialistas no mundo todo, há estudos científicos que balizariam a prescrição de fármacos à base de cloroquina e outros medicamentos no tratamento da covid-19. A servidora relatou ter feito uma espécie de dossiê para comprovar a sua argumentação. O documento foi entregue à Comissão Parlamentar de Inquérito. Questões referentes à cloroquina e hidroxicloroquina são um dos principais pontos de interesse da comissão. A postura de Mayra é semelhante à do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Mayra disse não ter recebido ordens do presidente Bolsonaro ou do ex-chefe Eduardo Pazuello para defender o uso de medicamentos sem eficácia científica comprovada no tratamento do coronavírus.
Nunca recebi ordem e o uso desses medicamentos não é uma iniciativa minha, pessoal"Mayra Pinheiro.
A servidora ainda declarou ser a favor das vacinas, mas observou à CPI que "tudo é incerto" na pandemia e que a imunização não pode ser o único fator de preocupação.
"O lockdown, por exemplo, foi adotado muitas vezes de forma completamente inadequada, quando a gente tem milhares de publicações mostrando que essa medida pode ser ineficiente. A própria OMS, que recomendou o lockdown, hoje diz que ele pode ser responsável pela fome e pela miséria. Então, na covid, tudo é incerto."
Na visão dela, a contaminação é uma realidade mesmo para as pessoas que tenham recebido as doses, e seria fundamental ter alternativas farmacológicas no tratamento dos sintomas da covid-19. A medida também ajudaria a reduzir a ocupação de leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva), de acordo com o seu entendimento.
"Para salvar vidas, que é o objetivo meu e dos senhores, nós precisamos oferecer à população todos os recursos, e a covid tem quatro eixos: uso de máscaras, distanciamento social, a vacina como uma das medidas mais importantes para prevenção, mas a gente ainda vai ter os doentes que vão ter o escape das vacinas, a gente vai ter os doentes que, mesmo tomando a vacina, vão ter eficácia reduzida", disse.
Quanto à tese da imunidade de rebanho, Mayra disse que fazer uso dela como política pública é algo "extremamente perigoso" em grandes populações. Senadores de oposição buscam demonstrar que o governo de Bolsonaro apostou na imunidade de rebanho e, por isso, o presidente poderia ser imputado pelo cometimento de crime doloso contra a saúde pública.
'Brasil não é obrigado a seguir a OMS'
Mayra rebateu as alegações de parlamentares que frisaram a orientação da OMS no sentido contrário ao que defende o governo brasileiro. Na visão dela, o país não é "obrigado" a seguir as recomendações da Organização Mundial da Saúde. E, caso o tivesse feito, teria "falhado" em vários aspectos do enfrentamento à doença.
Considerada a maior autoridade em saúde pública no mundo, a OMS recomendou, em julho do ano passado, a interrupção do uso da cloroquina e hidroxicloroquina no combate aos sintomas provocados a partir da contaminação.
Na perspectiva da depoente, no entanto, a entidade retirou as orientações com base em estudos de "qualidade metodológica questionável", o que segue a defesa de senadores bolsonaristas na CPI até o momento. Ela alegou que as pesquisas observam os efeitos da cloroquina na fase "tardia da doença" e alega que já é sabido que "não há benefícios aos pacientes" nesta fase.
É preciso que a gente deixe, primeiramente, claro, que a OMS é um braço da ONU que trata das questões relativas à saúde. Embora o Brasil seja signatário dessa entidade, o Ministério da Saúde de todos os países são órgãos independentes e têm sua autonomia para tomada de decisões de acordo com as situações locais"Mayra Pinheiro