Entrevista G7: “levamos para nossas vidas, lições e aprendizados valiosos em cada espetáculo”
- Sidiney Leonis
- 28 de out. de 2022
- 12 min de leitura

Desde 2001, em Brasília, o G7 faz rir com suas comédias do cotidiano. Nestes anos foram muitos prêmios, viagens, espetáculos e muita diversão. Na biografia do G7, o capítulo imprescindível é a peça Como passar em concurso público já vista por mais de 1 milhão de pessoas, incluindo temporadas no Rio de Janeiro e em São Paulo. Três vezes no programa do Jô, o G7 vem fazendo participando ativamente da história do teatro brasileiro.

1 - Vou ter que começar por uma pergunta clichê, mas não posso deixar de saber, qual o significado do nome G7, e se tiver alguma curiosidade sobre como foi escolha do nome para o grupo?
Rodolfinho - A juventude é uma bela fase das nossas vidas, não é mesmo? Mas é também um período de muita aventura, experimentação e ousadia… Quando criamos o grupo, em 1999, queríamos que ele fosse o maior grupo de teatro do mundo, assim como o G7 é o grupo dos países mais poderosos do mundo. O "G" também significa grupo e o “7" é porque nós queríamos ter sete integrantes. Acontece que quando estreou a nossa primeira peça em 2001 (Baseado em Fatos Reais), éramos apenas quatro e percebemos que, mesmo assim, sobrava pouco dinheiro para dividir ao final da peça. Imagina se fosse dividir por sete? É curioso perceber que depois de muitos anos encontramos outros significados “escondidos" no nome, por exemplo, descobrimos que o "G" é a sétima letra do alfabeto e que G7 é o símbolo do acorde "sol" - o que não tem nada a ver com o grupo. Outra curiosidade que ninguém nunca percebeu, acredito, é que nossas cores são laranja e azul, o "G" é laranja e o "7" é azul mas é vazado, e isso tem um significado maior até do que o próprio nome. Quem adivinhar o que é ganha 2 ingressos :) Brincadeira! O laranja representa alegria, vitalidade, prosperidade e sucesso e o azul significa tranquilidade, serenidade e harmonia, simboliza a água, o céu e o infinito, por isso é vazado, porque está em branco, esperando que a gente preencha com nossa história, sempre em construção. Tudo que um grupo de comédia precisa: alegria e harmonia. Com tranquilidade, em constante evolução rumo ao infinito.

2 - Com tantas peças no repertório, como é a decidido a ordem das apresentações e o processo criativo delas ?
Rodolfinho - Nós somos uma companhia de teatro que tem orgulho de dizer que praticamente todos os anos de nossa existência criamos espetáculos novos. Já temos mais de 40 espetáculos criados e encenados, porém apenas 12 continuam realizando temporadas. Realmente são muitas opções, além de peça nova todo ano (ano que vem serão três!). Mas nós realizamos uma reunião de cronograma anual na qual tentamos programar o ano de apresentações da melhor maneira, dependendo da pauta dos teatros, das necessidades de cada espetáculo e do calendário do nosso país. Por exemplo, desde 2002 nós realizamos, quase todos os anos, o Carnaval com G7. Inclusive, quando não teve carnaval nas ruas por causa da pandemia, teve no teatro. Então todo ano o nosso amado público já sabe que carnaval em Brasília é carnaval com o G7! O que muda é a peça. Ano que vem será apresentado nosso mega hits: “A Intimidade é uma M*rda”, mas outro habitué é “Amar é Brega”. Sobre o processo criativo, pode-se dizer que é um tanto complexo para explicar, até porque ele varia de espetáculo para espetáculo. Mas em resumo, nós realizamos brainstorms ou já temos algum tema escolhido e daí escrevemos cenas sobre aquele tema. Pesquisamos livros, vídeos, filmes, aprofundamos com entrevistas com especialistas quando necessário e depois voltamos a escrever, experimentar, ensaiar. Geralmente eu escrevo também algumas músicas que produzimos para a peça. Após o texto semi-pronto (ele nunca fica pronto, nem depois da estreia, pois acreditamos que a peça é uma obra viva em constante transformação e adaptação) começamos o período de ensaios mais pesado, sempre voltando ao texto quando necessário, e em torno de quatro a seis meses a peça fica "apresentável". Está bem simplificado e organizado, na verdade é mais caótico e randômico, mas enfim, dá pra se ter uma ideia do nosso processo criativo.
3 - A maioria dos espetáculos do g7 retrata muito o cotidiano dos brasileiros, focar mais nesses universos, era algo já planejado desde o início do grupo?
Rodolfinho - Sim, na verdade a gente fala daquilo que a gente vive. As pessoas só acham graça de coisas com as quais podem se identificar e a gente não é diferente. As nossas peças sempre retrataram a nossa realidade, as coisas que estávamos fazendo e vivendo naquele momento em nossas vidas. É só ver o nome das peças para entender o momento em que estávamos. “Como Passar em Concurso Público” surgiu quando estávamos tentando descobrir se vivíamos de Teatro ou se fazíamos concurso porque era o momento de escolher. Decidimos viver de arte e com essa peça conseguimos ganhar dinheiro suficiente para fazê-lo. Na verdade, foi um grande sucesso do teatro brasileiro, e foi muito dinheiro. Em seguida, “Eu Odeio Meu Chefe”, pois percebemos que havíamos nos tornado chefes e profissionais e achamos graça nisso. Depois, “Manual de Sobrevivência ao Casamento”, quando estávamos lidando com separações e casamentos, como sobreviver a isso? “Casais Felizes Emagrecem Juntos”, precisa dizer mais alguma coisa? O título é explicativo né? hehehe… Ou seja, sempre buscamos retratar a nossa vida, nossa realidade nos palcos, o nosso cotidiano, que é também o cotidiano de muita gente, e por isso as pessoas gostam, se identificam e percebem a verdade no que fazemos. Criamos as peças não apenas para divertir mas para também levar uma mensagem positiva para as pessoas, uma reflexão, um aprendizado sobre cada um dos temas que tocamos. Porque assim nós também levamos, para nossas vidas, lições e aprendizados valiosos em cada espetáculo. Então, acredito que sim, já era planejado falar do que vivíamos e desde o início nós já sabíamos que era isso que queríamos fazer.

4- Viver de arte no Brasil é para os fortes, e cultura em Brasília, quais as peculiaridades locais ?
Rodolfinho - Hahahaha é verdade… Para os fortes e para os que não desistem! Nós vivemos um período alguns anos atrás quando em Brasília pipocavam grupos de Teatro, principalmente companhias de comédia, que lotavam os teatros. Quantos continuam? Quantos não desistiram? Ou quantos tiveram que se reinventar e focar em outras áreas? Nós também tivemos que nos reinventar muitas e muitas vezes. Contudo, jamais abrimos mão de estar quase todos os finais de semana do ano em cartaz, por dois motivos: primeiro porque é esse o nosso trabalho e o artista precisa estar em constante processo de criação e realização de sua arte, e segundo porque precisamos criar público na nossa cidade e as pessoas precisam ter opção sempre. Quem quiser ir ao Teatro precisa poder ter uma peça para assistir. Durante a pandemia nós apresentamos para pessoas dentro de carros em drive-ins, mas não deixamos de apresentar. Porque acreditamos que a arte é necessária, a arte é fundamental para nossa existência porque a arte ameniza o sofrimento da vida. O ser humano precisa de arte em todas suas formas e em Brasília hoje em dia, infelizmente, há poucos grupos de teatro que estão constantemente em cartaz. Esses dias eu e Felipe fomos a Papuda fazer uma apresentação social e recebemos inúmeras cartas das pessoas dizendo que não conheciam o teatro e nunca tinham visto uma peça mas que assim que possível seria a primeira coisa que fariam ao sair dali. Imagine se essas pessoas tivessem acesso à arte desde pequenas? Talvez sequer estivessem ali, pois a arte nos dá instrumentos eficazes para lidar com os problemas da vida e tentar, minimamente, entender o que estamos fazendo aqui. Sobre as peculiaridades de Brasília, acredito que sempre tem público para quem cria novidades. Esta é uma verdade. Se você tem espetáculo bom em Brasília provavelmente terá público se for divulgado. Se for um tema atual, novo, com certeza aumenta muito as chances de bombar. Mas eu acho que de todos estados do país o DF é um dos que mais dá condições de se fazer Teatro pois existem veículos de imprensa e repórteres de excelência, como você mesmo Sidney, que estão dispostos a divulgar e ajudar os artistas.

Há que se destacar o papel da Márcia Witczak e sua agenda cultural que é plural e democrática, sempre abrindo espaço para todas as manifestações artísticas do DF há muitos anos, bem como veículos como o site De Boa e muitos outros que auxiliam os artistas da capital. Acho que as peculiaridades daqui são boas na verdade, é difícil porque é difícil mesmo, mas nós temos meios acessíveis de criar.
5- Há uns bons anos, se fala muito no politicamente correto dentro do humor. Qual a visão de vocês sobre isso?
Rodolfinho - Primeiro é preciso definir o que é o “politicamente correto” porque para cada pessoa pode significar uma coisa diferente. Para mim significa: sempre que possível, evitar ofender alguém. Não dá pra evitar ofender todo mundo, sempre vai ter alguém que vai achar ruim alguma coisa, faz parte da diversidade da interpretação humana. O problema é quando o artista sabe que determinado assunto machuca as pessoas e vai direto nele, enfatiza isso e ainda diz que tem o direito de fazer o que quiser. Isso seria, para mim, o politicamente incorreto. O problema não é a piada e sim o momento histórico em que ela é dita e a distância do observador. Uma pessoa que cai no buraco pode te fazer rir mas e se for você? Alguém já disse que a diferença da tragédia e do humor é a distância. Outro problema são as pessoas que tiram as coisas de contexto o tempo todo e não dá pra ter controle sobre tudo então, fez uma piada que ofendeu, ficou sabendo que ofende mesmo fora do contexto? Faz outra. O fundo da questão é que, na teoria, cada um fala o que quiser. Na prática, o limite do humor é a lei, ou a justiça. Se alguém causar injúria, difamação ou cometer qualquer outro crime contra a honra, não há nem o que se discutir. Se é crime não pode ser piada. Contudo, há uma linha tênue que é difícil de definir quando não se trata de crime. Uma piada de mau gosto pode ofender mas não é um crime, concorda? Então, eu posso fazer? Poder pode, mas por que você quer escolher esse caminho? É uma simples escolha e nós do G7 escolhemos o outro caminho: o de que, sempre que possível, devemos evitar ofender alguém.

O caminho do “politicamente correto”, conforme muitos dizem. Mas o pessoal fala: ah, isso tudo é muito chato! Não pode fazer piada com gordo, com gay, com minorias… Eu não acho chato, pelo contrário. É uma forma de promover homofobia, gordofobia e reforçar negativamente estereótipos que não melhoram em nada a sociedade. Chato é quem ainda insiste em chamar de “humor negro” algo que já está errado no próprio termo “negro”, com um significado pejorativo, quando na verdade é um tipo de humor ofensivo, que só acha a graça quando acha um alvo. Pode não parecer, mas existe piada sem alvo, existe humor de situação, humor inteligente, comédia que não precisa ofender e sim mostrar o outro lado, uma comédia que não é tão fácil de fazer, é verdade, precisa de um pouco mais de criatividade e trabalho. Por isso mesmo é essa que eu quero e é essa que eu faço. Quem quer tudo fácil na vida não quer ser bom em nada. É mais difícil fazer humor sem ofender ninguém? Então eu vou por esse caminho.
6 - Em tantos anos de peças, já aconteceu alguma situação inusitada ou emocionante com a plateia, se sim, quais?
Rodolfinho - Ave Maria! É o que mais acontece! Dia desses nós estávamos encenando “Romeu e Julieta”, uma cena musical do G7, e depois de tocar a música da Kelly Key a plateia continuou cantando, até o final. Nunca tinha acontecido. Outro dia, em São Paulo, uma senhora levantou no meio da peça e saiu toda envergonhada e foi embora. Eu, querendo fazer piada, disse: Vai embora não, vai melhorar… Depois descobri que ela havia se mijado de rir e a cadeira estava ensopada. Teve uma vez que acabou a luz em Taguatinga e o Felipe, no escuro, subiu em cima da caixa de som do Teatro (coisa de 3 metros de altura). A plateia nos iluminou com celulares e eu, vestido de pastor, disse: “Nós vamos chamar e a luz vai voltar! Volta Luz!” E a plateia gritou: “volta luz” e a luz voltou. E aí? Explica isso. Emocionante teve inúmeras vezes. Sempre que vamos reestrear ou estrear um espetáculo nós realizamos uma sessão social para pessoas carentes, portadores de necessidades especiais, trabalhadores da polícia, do samu, pessoas do hospital do câncer, hospital veterinário do DF, comunidade de surdos-mudos, enfim, diversos grupos que precisam de teatro e não tem acesso e cada sessão dessa é uma emoção imensa. Apresentar para quem nunca viu ou para quem realmente precisa ver uma peça legal e não imagina o que é isso é uma das melhores sensações da vida. Melhor que sexo. Outro momento emocionante é pedido de casamento no palco e já rolaram muitos nesses anos, mas nós sempre ficamos arrepiados e honrados com a escolha.
7 - No mês de outubro, uma peça infantil do grupo (Nina e a Cidade Avião) entrou em cartaz, como foi trabalhar com uma plateia de crianças, um público “novo” para vocês ?
Rodolfinho - O nosso espetáculo infantil estreou em 2019 e foi literalmente um público “novo" para nós. Já havíamos feito um infantil no início do G7 chamado “Alecris e o Monstro” em parceria com a Néia e Nando mas não se tornou um espetáculo de repertório. Daí, em 2019 eu botei na cabeça que queria escrever um infantil sobre Brasília e comecei. Pesquisei os animais do cerrado e logo voltei a ser criança e a imaginar como seria um espetáculo infantil colorido, bonito e emocionante. O que nós sentimos foi que realmente fazer peças infantis é muito emocionante. A gente se permite voar na imaginação como as crianças fazem e ver os pequenos e pequenas cantando as músicas da peça é de chorar mesmo. Por isso, por ser tão bom fazer teatro para crianças e por ser tão necessário que as crianças conheçam o teatro o quanto antes, acredito que tenha sido uma das experiências mais bonitas e emocionantes que já vivemos no G7 e, se tudo der certo, ano que vem teremos mais um infantil inédito!

8- Quem e quais são as inspirações/referências no humor para vocês?
Rodolfinho - Somos um grupo formado por diversos atores com referências distintas, mas algumas podemos dizer que se repetem: Monty Python, Os Trapalhões, Charlie Chaplin, Chico Anísio, Jô Soares, bem como diversos autores e artistas de espetáculos da Broadway americana, como South Park e sua peça “The Book of Mormon”, ou a Companhia inglesa que montou o espetáculo “The Play That Goes Wrong”. Também nos inspiramos muito na filosofia anti-estrelato do The Blue Man Group, e em muitos filmes de humor, desde os clássicos de Buster Keaton até Top Gang e Kung-Pow (este é imperdivelmente maluco). Séries como "The Office" e "What They Do In The Shadows”, filmes como "Ace Ventura”, que também foi uma grande influência para Felipe Gracindo, assim como "O Máskara", "Parque dos Dinossauros", "O Senhor dos Anéis" e "O Rei Leão". Livros dos grandes autores e clássicos da literatura podem ser encontrados em nossos espetáculos em referências claras ou easter eggs, como por exemplo Franz Kafka, Goethe e, por óbvio, William Shakespeare.
9- Tem projetos e novidades para 2023? (Quero spoilers, se puder.)
Rodolfinho - Sim temos! Estamos nos sentindo jovens novamente, jovens e ousados… Em 2023 estamos nos preparando para estrear TRÊS, isso mesmo eu disse TRÊS novos espetáculos. Dois adultos e um infantil. Ainda não podemos revelar os nomes pois são sacadas geniais que vão abalar as estruturas da comédia brasileira - pelo menos até o Valparaíso. Tudo que posso dizer é que o primeiro espetáculo será sobre (spoiler) A INTERNET e tudo que ela nos causa. Desde fake news, encontros amorosos online, golpes, fofocas e traições, tudo que o povo gosta e quer o G7 vai dar em um espetáculo inovador, acredite. E este será apenas o primeiro grande lançamento de 2023, pois teremos também a volta de um dos mais pedidos cursos de teatro do país - ou pelo menos do Gama - o Curso de Teatro do G7. Teremos turmas para crianças, jovens e adultos e os planos são para começar já no início do ano que vem! Então, você que tá sempre perguntando quando vai ter curso de Teatro do G7? EM 2023 TEM!

10- Para finalizar, qual mensagem vocês que vivem da alegria, gostariam de deixar para esse restinho de 2022, tão tenso no Brasil, cheio de brigas por ideologias, etc..?
Rodolfinho - A vida é feita de pequenas coisas. Acordar bem, tomar um banho, ter o que comer. Assistir um bom espetáculo de teatro e depois comentar com a pessoa que você ama. Ler uma notícia boa no IG do Sidiney… Sempre que a vida parecer muito difícil e a gente perceber que tem mais motivos pra chorar do que pra sorrir, concentre sua atenção nas pequenas coisas, que é nelas que reside a verdadeira felicidade. O Brasil, assim como o mundo, vai sobreviver. Haverá ressentimento, ódio e muito tempo perdido? Sim, porque faz parte, tem gente que precisa disso pra viver. Mas, quando tudo parecer perdido, quando tudo parecer que não tem mais sentido e que o país não vai pra frente, lembre-se que o país é feito de pessoas e que você é uma delas. Lembre-se que o ser humano só É aquilo que ele FAZ de si mesmo (Sartre). Por isso faça o seu melhor, pinte a tela em branco da sua vida com suas melhores cores, foque nas músicas que lhe fazem bem, cante, dance e comemore as pequenas vitórias porque são elas juntas que fazem a grande. E acima de tudo, use filtro solar. Porque se proteger do sol é bom e levar a vida com bom humor deixa a vida mais leve. A beleza da vida é que ela não é a mesma que era agora. Nem agora… Nem agora… Seja feliz, você merece. E se não estiver conseguindo, procure nas pequenas coisas, um abraço, beber água depois de fazer exercício, tomar um sorvete no calor… Procure nas pequenas coisas, pois é lá que a felicidade está.

